Ninguém pode dizer com toda a certeza que a hora já está marcada. Até porque, mesmo que esteja, nunca a esperamos.
Há horas para outras coisas. Para acordar as crianças para irem à escola, para ir buscá-las, para apanhar o eléctrico de volta para casa. Mas talvez não para isto.
Sei que viveste muito e desejo chegar à tua idade com a mesma tranquilidade, a mesma calma. Naquele dia lembro-me de ter pensado num poema do José Gomes Ferreira, dedicado a uma amiga, que dizia "devia morrer-se de outra maneira". Que as pessoas deviam desfazer-se em fumo e assim ascender aos céus, se fosse caso disso, sem que os entes queridos tivessem de suportar cerimónias e rituais de tradição secular que pouco ou nenhum conforto oferecem.
Gostava que tivesse sido assim. Que a matéria orgânica que suportou o teu espírito pacífico pudesse ter-se esfumado. Dócil e ligeira, como eram os teus passos que eu acompanhava aos saltinhos quando tinha 5 anos.
Ainda não sei porque me doeu tanto. Nem sei se virei a saber. Fazes-me falta? Com sinceridade, acho que não. E depois sinto que sim. Tenho as memórias, que em vez de se dissolverem no tempo, se tornaram mais vívidas desde que foste.
As pequenas flores que cresciam no muro a caminho da escola e que esperavas que eu colhesse para levar à professora.
O queijo cortado meticuloso aos cubinhos para a sobremesa.
O dia em que aprendi contigo a palavra "principiar"...
que é o que espero possas agora fazer outra vez....